TERRA DE NINGUÉM - CRÍTICA
Drama na guerra da Bósnia traz curioso senso de humor
CHRISTIAN PETERMANN
crítico do Guia da Folha
Um filão cinematográfico foi criado com a intensa reformulação geográfica verificada no globo desde o final dos anos 80: o dos dramas (muitas vezes neo-realistas) de países renascidos das cinzas, por antes terem integrado a ex-União Soviética ou por estarem engatinhando na Sétima Arte na tentativa de mostrar ao mundo facetas não exibidas em telejornais.
São expoentes deste grupo filmes como o macedônio "Antes da Chuva", de Milko Manchevski, e o afegão "Osama", de Siddiq Barmak, assim como este bósnio-esloveno "Terra de Ninguém", escrito e dirigido pelo estreante Danis Tanovic, que também assina e produz a boa trilha sonora.
O sangrento conflito entre bósnios e sérvios é sintetizado de forma quase teatral neste drama salpicado por curioso senso de humor: tendo como cenário quase único uma trincheira no limite entre os territórios inimigos, um bósnio e um sérvio vêem-se forçados à convivência conflituosa, com intercalados focos de poder; a eles se junta um outro bósnio, imobilizado ao se posicionar sobre uma mina.
Neste circo de absurdos, Tanovic ainda introduz a Europa "civilizada", representada, entre outros, pela repórter da TV inglesa Jane Livingstone (a saudosa Katrin Cartlidge) e pelo sargento francês Marchand (Georges Siatidis).
Os oponentes se espezinham em tempo integral, o que rende pequenas pérolas de diálogo. Tanovic é um ótimo observador do ser humano e denota sua crítica em relação a ele através da acidez do texto. Seu roteiro, não à toa, foi premiado em Cannes e pelo European Film Award. "Terra de Ninguém", aliás, por sua importância histórica e sua bem-sucedida concepção artística, foi um dos filmes mais premiados de 2001, em inúmeros festivais e com troféus como o Oscar, o Globo de Ouro e o César, além do prêmio de público na Mostra BR de Cinema.
É o reconhecimento, em todas as frentes, de um dos mais relevantes manifestos geopolíticos que o cinema gerou nos últimos anos.
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